Consta o meu comentário na reportagem
tendenciosa da Band (http://www.band.com.br/primeirojornal/conteudo.asp?ID=100000516523) onde pecaram os jornalistas em atropelar os
fatos para dar ensejo a uma repercussão que por certo prescinde, a não
ser para vir revestida de intenções negativas, senão vejamos:
Meus caros colegas juristas e cidadãos,
Urgentemente: cautela. Cautela, se não
com a própria moral, ao menos com a lei. Costumeira frase de Nicolas
Berryer ao iniciar uma defesa no tribunal, traz à lume um
aprendizado deveras reluzente: “Trago à convenção a verdade e a
minha cabeça; poderão dispor da segunda, mas só depois de ouvir a
primeira.”
Refiro-me a uma questão inutilmente
regada ao público, segundo a qual a desembargadora Yara Ramires e
sua filha, advogada, Roberta Sanches, são acusadas de desacato por
policiais militares. A repercussão de ordem moral é de exacerbada
indiferença quando se trata de um procedimento qualquer, de mero ato
legal, mormente diante de um cidadão cuja ocupação social não
atinja o conhecimento da mídia. Mas algo muito diferente e
demasiadamente cruel ocorre quando a suposta autoria delitiva é
refém da sociedade, por meio de seus veículos de comunicação,
(de)formadores de opiniões rasas e infundadas, o que não vem, desde
logo, a atingir o mérito do presente caso, mas tão somente
registrar a importância de se averiguar a verdade perante o caso
concreto. Nesta senda, rege um notório e respeitável princípio em
distintas órbitas de matéria jurídica, enfatizada a de ordem
penal, denominado princípio da verdade real. Onde se vê tal
princípio ser aplicado em uma transcrição tendenciosa dos fatos
perante jornalistas, profissionais estes que, além de não estarem
limitados a exercer de maneira respeitosa e digna estritamente a sua
profissão, encontram-se incumbidos de atravessar a ciência jurídica
e desafiar até a hermenêutica, como também a presunção
constitucional de inocência, em legislar com seu vocabulário leigo?
Passemos aos fatos e ao consequente embasamento legal.
Tenha-se presente que, segundo apuração
notória da mídia, a desembargadora Yara Ramires e sua filha, a
advogada Roberta Sanches teriam sido abordadas por policiais para
apresentação da carteira de habilitação, bem como,
posteriormente, para submeter esta última ao teste do bafômetro,
momento no qual, segundo apontam os jornalistas na internet, a
advogada teria pedido para a desembargadora se apresentar perante os
policiais, apresentado irritação e surpresa pela necessidade de
realização do teste. Por conseguinte, vem sido tratado o fato,
erroneamente – como era de se esperar de declarações de cunho
jurídico oriundas de amadores, ou profissionais de outras áreas -
como crime de desacato. Ocorre que o crime previsto no artigo 331 do
Código Penal tem a sua adequação típica reconhecida pelo ato de
ofender (desacatar) funcionário público no exercício da função
ou em razão dela. A menos que se decline maliciosamente o conceito
da honra subjetiva supostamente atingida no tocante à hipotética
vítima policial, é de ver-se, nitidamente, que como outros crimes,
a conduta exige o dolo específico, e não deve ser confundida como
mero inconformismo diante de ato cuja legalidade é fragilizada pelos
pressupostos constitucionais (o que será demonstrado a seguir), nem
tampouco com mera crítica.
Trata, pois, o presente caso, de claríssima atipicidade pelo que vem sido trazido ao público, cabível de se transcrever as linhas de Manzini, assim profetizadas: “...os funcionários públicos e os empregados encarregados de serviço público devem, realmente, ser respeitados, mas a lei não exige que sejam venerados como pessoas sagradas e intocáveis, de modo que se tenha como delituosa a simples reprovação de seus atos, expressa por modo não injurioso.” Se, por um momento caloroso ou de instabilidade emocional, a advogada teria pedido que a sua mãe se dirigisse ao policial de forma a se apresentar, é possível indagar, de maneira clara e objetiva, onde resta, enfim, o caráter ofensivo destas palavras. Resta, sim, incidência de atipicidade, tendo em vista, segundo Cezar Bitencourt, que “A crítica irrogada pelo indivíduo, sem o propósito de ofender, relativamente ao serviço prestado pela Administração Pública, não configura crime de desacato. É um direito do cidadão fiscalizar e criticar a qualidade do serviço público prestado de forma insatisfatória...”
Vê-se, por aí, que a embriaguez, ainda que fosse o caso, tem sido reconhecida pela jurisprudência como incompatível com o crime de desacato. Mas é possível ser otimista e confiar em uma lídima justiça. Para tanto, o caso encontra-se nas mãos da Dra. Mariângela Teixeira Lopes Leão, do escritório Teixeira Leão Advogados, quem exibe nobre defesa onde pretende demonstrar que a Dra. Roberta não apresentou qualquer sinal de embriaguez e assim concluiu o exame, e que houve um excesso descontrolado na conduta dos policiais, o que pode sim consistir em um ilícito penal. É necessário aguardar as próximas notícias.
Trata, pois, o presente caso, de claríssima atipicidade pelo que vem sido trazido ao público, cabível de se transcrever as linhas de Manzini, assim profetizadas: “...os funcionários públicos e os empregados encarregados de serviço público devem, realmente, ser respeitados, mas a lei não exige que sejam venerados como pessoas sagradas e intocáveis, de modo que se tenha como delituosa a simples reprovação de seus atos, expressa por modo não injurioso.” Se, por um momento caloroso ou de instabilidade emocional, a advogada teria pedido que a sua mãe se dirigisse ao policial de forma a se apresentar, é possível indagar, de maneira clara e objetiva, onde resta, enfim, o caráter ofensivo destas palavras. Resta, sim, incidência de atipicidade, tendo em vista, segundo Cezar Bitencourt, que “A crítica irrogada pelo indivíduo, sem o propósito de ofender, relativamente ao serviço prestado pela Administração Pública, não configura crime de desacato. É um direito do cidadão fiscalizar e criticar a qualidade do serviço público prestado de forma insatisfatória...”
Vê-se, por aí, que a embriaguez, ainda que fosse o caso, tem sido reconhecida pela jurisprudência como incompatível com o crime de desacato. Mas é possível ser otimista e confiar em uma lídima justiça. Para tanto, o caso encontra-se nas mãos da Dra. Mariângela Teixeira Lopes Leão, do escritório Teixeira Leão Advogados, quem exibe nobre defesa onde pretende demonstrar que a Dra. Roberta não apresentou qualquer sinal de embriaguez e assim concluiu o exame, e que houve um excesso descontrolado na conduta dos policiais, o que pode sim consistir em um ilícito penal. É necessário aguardar as próximas notícias.
Cautela, agora, é um suplício à
nossa sociedade. O fato de que a advogada teria se recusado a
permitir uma vistoria no carro por ausência de mandado, ou que teria
se recusado a realizar o teste do bafômetro (veremos a seguir), não
constitui qualquer ilícito, mas sim exercício pleno de legalidade
daquela que, assim como a desembargadora vítima do caso, meramente
conhece a lei. Infelizmente, grande parcela dos comentários
injuriosos feitos às doutoras são culpados pela ignorância da lei,
gerando a falsa impressão de que estas teriam tentado usufruir de um
cargo para isentar-se de obrigação legal. Mas não há nada legal
nas duas solicitações dos policiais, não da forma como foi feita.
E não há nada legal, tampouco, em sua conduta.
De qual ato ilícito estaríamos
falando, afinal, que sujeitassem ambas as doutoras, ou também
cidadãs, a um procedimento de inquérito policial? Onde está a
tipicidade e onde está a prova concreta? Os casos de desacato são
em maioria ocorridos com autoridades policiais. Testemunhos como
tais, ou seja, de colegas de profissão, são absolutamente
ineficientes e de credibilidade frágil se não corroborados com
outros meios de prova. Se, de um lado a mídia encontra desrespeito
ou – agora, pasmem, colegas criminalistas! - desacato, de outro,
rege cristalina arbitrariedade e sensacionalismo. Deveras lamentável.
Ao fim, roga-se a inconstitucionalidade
do teste do bafômetro, sendo que, atinge a ciência de todos o fato
de que ninguém será obrigado a produzir provas que sejam utilizadas
contra si mesmo. Imunidade esta absolutamente coerente com um sistema
jurídico segundo o qual o próprio réu não assume qualquer
compromisso com a verdade, se fosse o caso.
Caros juristas, caros cidadãos, repito: cautela! Estamos a tratar de um Estado Democrático de Direito, e não podemos, baseados em dúvidas, hipóteses ou fatos trazidos por terceiros sem que tenhamos examinado a concretude do ocorrido, manchar a dignidade de quem a profissão aponta zelar pela clamada justiça. E, por falar em justiça, temos que: de um lado, as palavras. De outro, a lei. De um lado, a opinião. De outro, a verdade. De um lado, a norma; junto, a ordem.
Caros juristas, caros cidadãos, repito: cautela! Estamos a tratar de um Estado Democrático de Direito, e não podemos, baseados em dúvidas, hipóteses ou fatos trazidos por terceiros sem que tenhamos examinado a concretude do ocorrido, manchar a dignidade de quem a profissão aponta zelar pela clamada justiça. E, por falar em justiça, temos que: de um lado, as palavras. De outro, a lei. De um lado, a opinião. De outro, a verdade. De um lado, a norma; junto, a ordem.
Por uma justiça menos dramática, mais
eficiente, cautelosa e simplesmente justa, e pela necessidade de
caráter probatório, é a presente leitura.
Nossa...
ResponderExcluirExcelente matéria!!! Você arrasou! Não tenho dúvidas do teu talento... Eu sinto a tua paixão pelo Direito ao ler teus artigos jurídicos. Voltando ao assunto em tela, este artigo deveria ser lido por todos. Juristas e cidadãos! Vamos divulgar...
Beijos e parabéns pela admirável escrita! Será (e já está sendo) uma grande colaboradora desta ciência que é o Direito!
Raíssa Marques
Este comentário foi removido pelo autor.
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